Jornada de trabalho excessiva: riscos para o empregador e para o empregado

Você sabe qual a intenção do governo ao limitar o número de horas que uma pessoa pode trabalhar ao longo da semana? Não é uma simples questão regulatória, mas sim uma forma de garantir o bem-estar dos empregados e garantir que haja movimentação na economia.

“A jornada máxima decorre do fato de que as pessoas têm uma capacidade máxima de trabalhar, apesar das variabilidades individuais, sem afetar as condições de saúde e de vida”, explica o pesquisador Sadi Dal Rosso no artigo Jornada de trabalho: duração e intensidade. Esse valor variou de acordo com os séculos, saindo de 2,5 mil horas por ano no período pré-industrial para de 3 mil a 3,5 mil durante as revoluções industriais – hoje, no Brasil, são cerca de 2,2 mil horas anuais.

Hoje, inclusive, há uma tendência a diminuir essa jornada de trabalho, principalmente na Europa e nos países asiáticos com um capitalismo avançado. França, Alemanha, Itália, Holanda, Japão e Coreia são apenas alguns dos países que, em maior ou menor grau, têm tentado diminuir esses períodos, para proporcionar um maior bem-estar ao trabalhador sem perder a produtividade. Outros países, como os Estados Unidos e o Brasil, indicam que é possível trabalhar por mais horas.
“As condições de trabalho agravam sua intensidade [da exploração do trabalho] e os requerimentos impostos aos trabalhadores/as, em meio a uma plêiade de outras tantas exigências paralelas. A combinação de tais elementos sugere fortes impactos sobre a saúde dos/as trabalhadores/as, em seus aspectos físico, emocional e cognitivo”, diz o pesquisador.

Por isso, há um limite legal a ser seguido. Ultrapassá-lo pode trazer uma série de consequências, que discutiremos a seguir.

O que diz a legislação?

As regras para a jornada de trabalho estão presentes, principalmente, em dois documentos: a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a Constituição Federal de 1988. Enquanto a primeira determina como deve ser feito o controle das horas que o trabalhador passa à disposição da empresa, a segunda determina as regras para que isso ocorra.

De acordo com o artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, um trabalhador não pode ser realizar mais de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, podendo ser ampliada por mais duas (art. 59) mediante acordo. No caso de empresas que atuam com turnos ininterruptos de revezamento, o inciso XIV determina que essa jornada será de seis horas, salvo negociação. Esses valores só podem ser menores no caso de compensação de horários ou redução da jornada, desde que haja acordo ou convenção coletiva. Há, porém, algumas exceções.

A reforma trabalhista de 2017 formalizou a jornada de 12×36, na qual a carga diária pode ser ampliada para 12 horas, com 36 horas de descanso subsequente – mantendo os limites semanais estabelecidos na Constituição. Se há interrupção do trabalho, resultante de causas acidentais ou força maior, a duração do trabalho também pode ser prorrogada, desde que não ultrapasse as 10 horas diárias e por não mais de 45 dias.

Quando ultrapassado o limite de horas estabelecido para a semana, o trabalhador tem direito a uma compensação. A mais comum é o pagamento das horas extras, que equivale a 50% do valor da hora em dias comuns e 100% em domingos e feriados. Outra possibilidade é a compensação das horas, que ocorre quando o excesso de um dia é diminuído de outro. Isso pode ser feito dentro da própria semana ou por banco de horas, no qual o trabalhador acumula essas horas para descontar em um momento mais propício.

As regras para controle da jornada de trabalho estão estabelecidas no artigo 74 da CLT. Alterado em setembro deste ano pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), o dispositivo legal foi adaptado a uma realidade cada vez mais digital. Antes, o horário de trabalho deveria constar em um quadro, organizado pelo extinto Ministério do Trabalho, e afixado em lugar visível. Agora, isso precisa estar anotado apenas no registro do empregado.

Além disso, agora empresas com menos de 20 funcionários são dispensadas da obrigação de registrar a entrada e saída dos funcionários – seja em registro manual, mecânico ou eletrônico. Isso, porém, não exclui os direitos trabalhistas e as obrigações da companhia. A recomendação dos especialistas, inclusive, é continuar realizando o registro para atestar as jornadas de trabalho e conseguir comprovar as horas extras.

Vale lembrar que, de acordo com o artigo 62 da CLT, empregados que não possuem controle da jornada ficam excluídos de todas essas regras. São os casos, por exemplo, de quem exerce atividade externa incompatível com a fixação de horários (desde que isso esteja registrado na carteira de trabalho e no registro do empregado), de cargos de confiança (como gerentes, diretores e chefes de departamento ou filial) e de empregados em regime de teletrabalho.

Consequências para as empresas

Quando as companhias não cumprem suas obrigações legais, a consequência mais direta é o aumento dos processos trabalhistas. Se os limites não forem obedecidos, o trabalhador tem direito a receber todas as horas extras a que tem direito e poderá requerer que o contrato de trabalho seja encerrado – com direito a todas as verbas rescisórias de uma demissão sem justa causa.

Em alguns casos, esse processo pode gerar indenizações por dano moral. Foi o caso, por exemplo, de uma empresa de transportes que exigia que os trabalhadores cumprissem até sete horas extras, em diversas situações, expondo os trabalhadores a riscos de acidentes. “A reiteração de conduta pela empresa, que submete seus empregados a jornadas que não respeitam os limites constitucionais e legais, afrontando assim normas de saúde e segurança dos trabalhadores, é suficiente para configurar o dano moral”, explicou o desembargador José Barbosa Filho na decisão.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) também tem um entendimento semelhante a esse. Em uma decisão de fevereiro de 2017, o ministro José Roberto Freire Pimenta registrou que: “Assim, fica comprovada a reprovável conduta patronal, com a prática de abuso do poder diretivo ao exigir jornadas exaustivas de trabalho e restrição dos direitos ao descanso e lazer, com óbvias consequências à saúde da obreira, que se via na contingência de ter que produzir sem poder refazer as energias dispendidas, resultando em ofensa aos direitos humanos fundamentais, atingindo-se a dignidade, a liberdade e o patrimônio moral da demandante, o que acarreta a obrigação legal de reparar.”

Outra consequência que tem efeitos indiretos nos resultados financeiros da empresa está na garantia do bem-estar dos empregados. Segundo Cláudio Mascarenhas Brandão, desembargador federal do Trabalho do TRT da 5ª Região e mestre em Direito do Trabalho, a realidade é bastante diversa quando se fala sobre os impactos do trabalho extraordinário. Em alguns casos, a fadiga gerada, dentro de certo limite, é recuperável por meio do repouso. Mas quando esse estado é ultrapassado, leva a pessoa a uma fadiga crônica

“[A fadiga crônica] ocorre quando o indivíduo fatigado, desrespeitando os seus próprios limites, continua executando o seu labor normalmente ou até mantido na situação de laborar em regime de horas extras, agredindo seu corpo e aumentando o problema, que se tornará insuportável e poderá evoluir drasticamente”, diz. E, segundo o pesquisador, a sobrecarga de trabalho é uma das mais importantes causas de acidente de trabalho no mundo. Há casos, por exemplo, em que foi possível reduzir em 60% o número de acidentes quando se reduziu a jornada de uma fábrica de 12 para dez horas diárias.

Isso tem um impacto direto nos resultados da empresa. Quanto mais fatigados estão os trabalhadores, maior será o número de acidentes e da taxa de absenteísmo, além de uma queda acentuada na produtividade geral da empresa. Tudo isso tem reflexos no financeiro, que também precisa arcar com o pagamento das horas extras e das indenizações.

Consequências para os trabalhadores

Mas quem mais sofre por essa jornada de trabalho excessiva é o trabalhador. Apesar de haver uma compensação financeira por esse esforço extra, isso impacta diretamente a saúde física e mental da pessoa. “Pesquisas mostram que a intensificação do trabalho repercute negativamente na saúde mental e física dos trabalhadores. Aí há questões clássicas como hipertensão, problemas cardíacos e de saúde mental, especialmente os relacionados aos transtornos de ansiedade e depressão”, afirma Mário Sérgio Ferreira, psicólogo e especialista em qualidade de vida no trabalho em entrevista para o blog Emily Sobral.

Mas não é só a saúde do trabalhador que é prejudicada. As relações pessoais também são afetadas, com impacto nas interações familiares e sociais, além das atividades de lazer, culturais e educacionais. Por isso, é necessário impor limites antes que as consequências sejam ainda mais sérias.

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